Impossibilidade de retroação da definição do regime de bens em união estável

Por Paulo Roberto Voges

O regime de bens, na união estável, enquanto não houver contrato escrito que estabeleça ser ela disciplinada por outro regime, é regido pelo regime da comunhão parcial de bens. A celebração de escritura pública que defina o regime de bens na união estável não tem efeitos retroativos. Este o entendimento da 3ª Turma do STJ, em decisão em recurso especial. Com base nesta decisão, foi permitido que as filhas de uma mulher entrassem na linha de sucessão da mãe pelo patrimônio que ela construiu ao longo de 35 anos de união estável com o padrasto.

O casal começou seu relacionamento em 1980 sem qualquer formalização – e assim ficou até 2012, quando foi lavrada uma escritura pública. Esta declarou a existência da união estável que, naquela época, mantinha-se há 32 anos, sem nenhuma prévia disposição acerca do regime de bens. Dois anos depois uma segunda escritura foi lavrada, onde foi declarada a separação total de bens, estabelecendo que todos os bens, direitos, saldos, aplicações, créditos e débitos configuravam patrimônio pessoal incomunicável dos conviventes. Após a morte, as filhas da falecida ajuizaram ação de nulidade da última escritura pública. Sustentaram que a manifestação de vontade da mãe não foi livre e consciente – pois “ela estava em estado de saúde precário e não tinha condições de compreender o alcance da declaração”.

As instâncias ordinárias da Justiça analisaram as provas e os fatos e concluíram que “a mulher estava lúcida e que o problema cardíaco do qual sofria não afetava suas faculdades mentais”. Essa conclusão foi mantida, pois sua revisão é vedada no STJ pela Súmula nº 7. Restou ao STJ definir se a escritura que definiu a separação total de bens produziria efeitos retroativos, desde 1980, ou apenas em relação aos três meses seguintes, até a morte da mulher. Por maioria de votos, foi decidido pela não retroação. Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze. Ele votou pela retroação dos efeitos.

No voto vencedor, ficou esclarecido que “a união estável não depende de formalização, porque o artigo 1.725 do Código Civil define que, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”. Conforme o julgado, a ausência de contrato escrito de união estável não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, como se houvesse somente uma lacuna suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa.

Prevaleceu a definição de que “ao lavrar escritura pública em 2015 definindo a separação total de bens para aquela união estável, o casal modificou esse regime, pois a união estável será regida pelo regime da comunhão parcial enquanto não houver contrato escrito que estabeleça ser ela regida por regime distinto”. Em voto-vista, o ministro Moura Ribeiro concordou. Afirmou que não se mostra razoável conceber a ideia de que, nos 35 anos anteriores de convivência do casal antes da escritura pública de 2015, não houve regime de bens regendo a união estável. Também em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acrescentou que o efeito retroativo reclamado pelo companheiro “viola a segurança jurídica, tendo em vista a possibilidade de atingir terceiros de boa-fé que celebraram, ao longo de 35 anos, negócios jurídicos com os companheiros, o que é inadmissível”.

O voto vencido do ministro dava efeitos retroativos à declaração de comunhão total de bens feita três meses antes da morte da mulher. O entendimento foi de que “o que o casal fez em 2015 foi declarar uma situação que já existia, o que não se confunde com a modificação de um regime que nunca havia sido admitido”. (Resp nº 1.845.416).

Fonte: espacovital.com.br